Nome, nome de guerra e nomes legendários
Se há uma coisa que ninguém nos tira é o nome. Pode até virar de domínio público, mas será sempre nosso. Já alguns nomes passam a ser legendários e se tornam símbolos. No Brasil, há uma enxurrada de Carlos que se tornaram legendários. (Luis Carlos) “Prestes” é o símbolo de tenacidade e dedicação a um ideal, (Carlos) “Marighella” de rebeldia à velhas estruturas da esquerda. Enquanto isso, (Carlos) “Lamarca” significa, o exemplo de militar que mudou de lado para combater a ditadura e, ao mesmo tempo, de lealdade à sua opção ética, moral, ideológica e política. Em contrapartida, o outro lado também tem seus nomes legendários. Por outros motivos, é verdade, mas não menos importantes para a História, (Sérgio) “Fleury” toma de assalto a memória nacional como símbolo de torturas e assassinatos, enquanto o “Cabo Anselmo”, assusta até hoje a todos por sua traição e participação nos crimes de seu criador.
Já os nomes de guerra e apelidos de militância não pertencem aos seus donos, que eram apenas seus usuários ou portadores. No mundo todo é assim. “Stálin”, “Giap”, “Lênin”, “Trotsky”, “Ho Chi Min” ou “Che” foram codinomes e são símbolos intactos até hoje. O nome “Pagú” nem sempre remete à Patrícia Galvão, mas traz a lembrança da insubmissa e revolucionária que militou, esteve presa e se manteve íntegra o tempo todo. “Osvaldão”, o negro enorme e forte de caráter e ousadia foi caçado pelas selvas do Araguaia por milhares de criaturas fardadas de verde-oliva e se tornou uma lenda que cresce até hoje naquela região. Sua companheira nessa guerra, a baiana “Dina” (apelido de Dinalva Oliveira Teixeira) foi uma guerrilheira tão destacada, que seu marido era conhecido como o “Antônio da Dina”. Morreu grávida, aos 29 anos de idade e obrigou ao exército brasileiro à uma caçada de quatro meses para sua captura e morte.
No Brasil da guerrilha contra a ditadura militar, muitos apelidos ganharam estatura e tornaram-se legendários. O capitão Carlos Lamarca foi general da esquerda armada e seu nome de guerra, “Cid”, o transformou no mítico comandante guerrilheiro, que ousou lutar e ousou (tentar) vencer (lema de sua organização VPR) a ditadura. O singelo apelido de “Velho”, imortalizou o dirigente comunista Joaquim Câmara Ferreira pelo simples fato de ser um dos mais velhos e experientes militantes da esquerda brasileira. Nos últimos tempos de sua vida liderou grupos de jovens guerrilheiros urbanos com o mesmo ardor de seus comandados. “Bacuri”, nome de Eduardo Leite, marcou aquela geração pela resistência às torturas que sofreu durante os quase cinco meses de prisão. Foi morto pelos torturadores do exército nacional e teve seu corpo mutilado como um Tiradentes (o apelido maior da luta pela independência nacional).
Apelidos, codinomes e nomes de guerra não pertencem mesmo aos seus portadores. Poucos conseguem localizar na história desse período histórico mal contado e conturbado da recente vida brasileira o lugar de Carlos Eugênio Sarmento Coêlho da Paz. Mas se perguntarmos por “Clemente” muitas histórias e lendas virão à memória num instante. “Ah! Aquele que cortou o nariz do Fleury com um tiro? Aquele que foi condecorado como soldado exemplar e abandonou o exército para ser um guerrilheiro exemplar. Aquele que deu trabalho à repressão, furou mais de cem cercos à bala e nunca foi preso? Sim, esse eu conheço”.
Falar de Carlos Eugênio é tarefa difícil, pois é uma figura que nunca permitiu a invasão de sua privacidade nem antes, nem depois da clandestinidade. Sua vida particular e suas decisões são de sua inteira responsabilidade e ninguém mete o bedelho. Como seu nome, isso lhe pertence. Pode-se discordar, pode-se admirar ou invejar, mas ninguém pode tirar dele esse patrimônio. No entanto, falar de “Clemente” é coisa fácil e deliciosa. Quem na esquerda brasileira (ou mesmo na direita) não conhece pelo menos uma de suas histórias que beiram o fantástico. O rapaz de dezenove anos, que liderou as forças de poucas armas da ALN, comandou ações armadas espetaculares, tomou decisões duras e enfrentou com sucesso cercos fechados em que a morte era quase certa. “Clemente” só contava com esse “quase” para escapar da morte. E só sobreviveu graças a esse “pequeno” detalhe. Era uma geração que seguia o “Che”, que dizia que a morte era apenas “uma possibilidade lógica da vida”.
Graças a uma correta administração desse detalhe chamado “quase” “Clemente” deixou Carlos Eugênio vivo para contar essas histórias. E se não conhecesse “Clemente”, seria duro acreditar em Carlos Eugênio.
2 comentários:
Li "Nas trilhas da ALN", a primeira vez, justamente após haver lido esse prefácio do Ivan. Digamos que foi um aperitivo tāo instigante, que a partir dele devorei o livro todo. Depois de haver relido o prefácio, hoje, voltei às trilhas do Clemente e da ALN...
Li os dois livros várias vezes e os tenho já a cerca de uns dez anos creio eu. Tenho enorme orgulho das dedicatórias feitas pelo autor o qual considero ser um herói da pátria. Além de contarem a verdade sobre a luta armada no período de resistencia ao golpe de 64, são lições de humanidade, heroísmo e carater. Fora a revolta e indignação que me abateu ao constatar desmedida e cruel repressão que estes jovens sofreram, as atrocidades cometidas contra eles e suas famílias nas torturas, numa guerra em que eles eram em número, preparo e condições, muito inferiores, o conhecimento da existencia de gente que dá a vida por causas nobres é muito gratificante e enriquece a alma. Como já disse em outro comentário os livros são indispensáveis e engrandecem a história de nosso povo.
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